Kênia
Luiza Villavicencio
Meu nome é Kênia, que de acordo
com o árabe, significa montanha de brancura, inocente, pequena rainha. Não acho que meu nome me defina, quero ser uma guerreira, maliciosa, não
uma “inocente rainha”. Gosto de fazer caminhadas com minha amiga Zaila no monte
Qassioun, uma das melhores vistas de Damasco. Eu, minha família e a família da Zaila, somos budistas, e não temos um
posicionamento bom no quesito religião em Damasco. Gosto bastante de fazer
listas e ser organizada.
Um dia, mamãe chegou em casa depois do trabalho;
puxou minha gata Janaina, meu irmão Hani e eu até uma vã. Quando chegamos lá,
meu padrasto Habib, Zaila e sua família já estavam com cinto de segurança.
Depois de umas dez horas nosso diesel acabou, e
tivemos que largar a vã enfrentar o caminho até a Turquia a pé. Mamãe disse que
demoraria um mês até chegarmos lá; e ainda; íamos passar pelo mar para ir até a
Grécia.
Na primeira semana de caminhada, o primo de
Zalia, Taú, deve um derrame. Zalia ficou muito magoada, e não falou o resto do
dia. Fiz uma lista das mortes.
· Taú;
· Janaina;
· Habib;
· Urbi;
· Xinavane;
· Amara.
No trigésimo quinto dia, nós chegamos em Mersin.
Descansamos dois dias, comemos. Pegamos nossas mochilas e fomos ao píer, de
madeira escura, bem quebrado com estacas murchas.
Nosso bote era de borracha verde escura com
algumas pichações no interior. Cabiam nós todos, com espaços sobrando para as
marmitas de grão de bico e batata.
Hani, era meu irmão; ele passou a viagem pelo
mar praticamente inteira com febre, fervia como o ferro de passar roupa, como o
chá de erva cidreira, como o fogo.
No 7º dia, vimos um navio, MOAS Eu não entendia
por que um navio com tal luxo e riqueza estaria no mar mediterrâneo, um lugar
tão escuro, sombrio, mas ao mesmo tempo tão lindo (tento imaginar as pessoas
que morreram no mar brincando abobalhados com os cavalos-marinhos violetas, as
tartarugas negras e as baleias cor-de-rosa. Mas sei que as suas mortes não
foram bem assim...).
Voltando ao navio. Ele jogou boias e mais boias
e mais boias até ficarmos cheios de boias. Chegando no navio, fomos tratados
como pintinhos sem uma galinha. Regina, a dona do navio, nos levou até Creta,
uma ilha na Grécia onde há mais de como nós.
Alguns de nós foram mandados embora, incluindo
eu e minha família. Agora estamos na Turquia de novo, mas queremos ser
guerreiros maliciosos, não pintinhos sem galinha.