segunda-feira, 20 de junho de 2016

Kênia
Luiza Villavicencio

Meu nome é Kênia, que de acordo com o árabe, significa montanha de brancura, inocente, pequena rainha. Não acho que meu nome me defina, quero ser uma guerreira, maliciosa, não uma “inocente rainha”. Gosto de fazer caminhadas com minha amiga Zaila no monte Qassioun, uma das melhores vistas de Damasco. Eu, minha família e a família da Zaila, somos budistas, e não temos um posicionamento bom no quesito religião em Damasco. Gosto bastante de fazer listas e ser organizada.
Um dia, mamãe chegou em casa depois do trabalho; puxou minha gata Janaina, meu irmão Hani e eu até uma vã. Quando chegamos lá, meu padrasto Habib, Zaila e sua família já estavam com cinto de segurança.
Depois de umas dez horas nosso diesel acabou, e tivemos que largar a vã enfrentar o caminho até a Turquia a pé. Mamãe disse que demoraria um mês até chegarmos lá; e ainda; íamos passar pelo mar para ir até a Grécia.
Na primeira semana de caminhada, o primo de Zalia, Taú, deve um derrame. Zalia ficou muito magoada, e não falou o resto do dia. Fiz uma lista das mortes.
· Taú;
· Janaina;
· Habib;
· Urbi;
· Xinavane;
· Amara.
No trigésimo quinto dia, nós chegamos em Mersin. Descansamos dois dias, comemos. Pegamos nossas mochilas e fomos ao píer, de madeira escura, bem quebrado com estacas murchas.
Nosso bote era de borracha verde escura com algumas pichações no interior. Cabiam nós todos, com espaços sobrando para as marmitas de grão de bico e batata.
Hani, era meu irmão; ele passou a viagem pelo mar praticamente inteira com febre, fervia como o ferro de passar roupa, como o chá de erva cidreira, como o fogo.
No 7º dia, vimos um navio, MOAS Eu não entendia por que um navio com tal luxo e riqueza estaria no mar mediterrâneo, um lugar tão escuro, sombrio, mas ao mesmo tempo tão lindo (tento imaginar as pessoas que morreram no mar brincando abobalhados com os cavalos-marinhos violetas, as tartarugas negras e as baleias cor-de-rosa. Mas sei que as suas mortes não foram bem assim...).
Voltando ao navio. Ele jogou boias e mais boias e mais boias até ficarmos cheios de boias. Chegando no navio, fomos tratados como pintinhos sem uma galinha. Regina, a dona do navio, nos levou até Creta, uma ilha na Grécia onde há mais de como nós.

Alguns de nós foram mandados embora, incluindo eu e minha família. Agora estamos na Turquia de novo, mas queremos ser guerreiros maliciosos, não pintinhos sem galinha.